Definitivamente
não é fácil ser agente de trânsito. Multiplique o grau de dificuldade
adicionando o calor infernal de todos os dias e um trânsito que só piora. Em
2003, quando o trânsito do Recife foi municipalizado, a frota da capital era de
374 mil veículos e hoje é de 577 mil, o que dá uma média de 1.442 carros por
agente, sem falar na frota circulante.
Para descobrir como é o dia a dia do
agente de trânsito, o Diário acompanhou um turno de uma dupla de agentes, no
cruzamento da Avenida Agamenon Magalhães com a Bandeira Filho e descobriu que o
maior inimigo desses profissionais não é o
sol, a chuva ou o próprio trânsito, mas sim as ameaças que eles sofrem
diariamente dos motoristas. Não por acaso, a direção da CTTU defende que os
agentes trabalhem armados e tenta firmar convênio com a Polícia Federal.
Desde a
municipalização, há nove anos, quatro agentes foram baleados em serviço, um não
resistiu aos ferimentos. A estatística da CTTU não contabiliza, no entanto, as
ameaças. Durante seis horas, das 7h às 13h, do último dia 14, acompanhamos o
trabalho dos agentes Josenílson Gomes da Silva, 46 anos, e Edmílson Cruz, 51
anos, e conseguimos flagrar uma das ameaças sofridas por eles. Eram 8h32,
quando um pálio prata parou na faixa de pedestre e o motorista, do sexo
masculino, aparentando cerca de 40 anos, conversou com os dois agentes que
estavam na esquina da calçada do pontilhão, sentido Boa Viagem.
O motorista
reclamava da notificação feita por um dos agentes, quando ele fez uma conversão
não permitida. “Ele veio falar com a gente com uma arma entre as pernas, de
forma que a gente pudesse ver. Ele disse que o carro era do governo, mas não
precisava mostrar a arma. Para mim é uma forma de intimidação e nós temos que
ter jogo de cintura para lidar com situações como essa”, esclareceu o agente
Josenílson Gomes. Segundo ele, o carro foi notificado, mas não quis fornecer a
placa.
Convênio
De acordo
com a presidente da CTTU, Maria de Pompéia, as ameaças aos agentes de trânsito
são uma das preocupações do órgão e ela defende o armamento. “Aguardamos a
realização de um convênio entre a Prefeitura do Recife e a Polícia Federal para
que os nossos agentes possam trabalhar armados. É uma profissão de risco. Já
tivemos um agente assassinado e três baleados”, ressaltou Maria de Pompéia.
Chefe da delegacia de controle de armas e produtos químicos da PF, o delegado
Eduardo Passos explicou que a Polícia Federal já enviou a minuta do convênio,
mas é necessário que o prefeito e o superintende da PF formalizem a assinatura.
“A partir da assinatura, o município terá que cumprir algumas exigências para
liberação do porte de arma”, explicou. Ainda segundo o delegado, o porte de
arma é fornecido apenas para a guarda municipal. No caso do Recife, os agentes
também são guardas. “O guarda municipal é integrante da segurança pública. Ele
pode auxiliar com o uso correto da arma de fogo”, afirmou. Segundo o delegado,
os municípios que não cumprirem as normas, terão o convênio cassado.
O agente de trânsito Carlos Roberto da Rocha, 42
anos, escapou da morte por muito pouco. Ele levou três tiros à queima roupa, no
exercício da profissão, no cruzamento da Avenida Agamenon Magalhães com a
Paissandu. O crime foi em 2007. O agressor, um policial militar, foi condenado
e expulso da corporação. Cinco anos após o episódio, o agente ainda sofre os
efeitos da violência. Nesta entrevista, ele conta os momentos difíceis e a
superação.
Como foi
que aconteceu?
Havia um
carro parado no cruzamento e já estava atrapalhando o trânsito. Fui até lá e
falei com o condutor para retirar o veículo. Ele disse que não ia tirar.
Argumentei, mas ele ficou alterado. Resolvi ir embora e quando já estava me
retirando, percebi que ele havia descido do carro e por trás de um poste ele
efetuou os disparos. O primeiro tiro bateu no meu ombro esquerdo e eu caí.
Vieram então os outros disparos. Recebi mais um tiro na altura da cintura, no
lado esquerdo, que atingiu a veia femural e outro tiro nas costas bem próximo à
coluna.
Nesse
momento, o senhor achou que ia morrer?
Quando
estava deitado no chão tentando me locomover e pedir ajuda, pensei que iria morrer.
Uma ambulância do Corpo de Bombeiros que estava vindo no outro lado da via fez
o socorro. A viatura chegou logo ao local. A sorte é que o Hospital da
Restauração fica próximo, do contrário, teria morrido.
Quanto
tempo o senhor ficou se recuperando?
Eu fique
dois anos e quatro meses em tratamento. E o médico que me acompanhou disse que
pela gravidade dos ferimentos, o tempo foi até razoável.
E a
volta ao trabalho?
Fui muito
bem recebido pelos colegas. Senti que foi uma vitória. Era como se tivesse
começando tudo pela primeira vez.
O senhor
não quis voltar para as ruas?
A empresa
me deu a opção de escolher e preferi ficar interno.
Na rua é
inseguro. Ficamos muito expostos. A gente nunca sabe com quem está lidando. E,
apesar de tudo o que aconteceu, nada mudou. Os agentes continuam trabalhando
desarmados e sem colete à prova de bala.